Quando um artista que está à margem de um estilo, seja econômica ou geograficamente falando, e resolve criar arte dentro deste estilo, algo acontece. No mínimo, há uma fusão entre o background desse artista e as características tradicionais do estilo, criando, assim, um híbrido. Shadowside é brasileríssimo, de Santos/SP, e resolveu criar música com elementos de algumas vertentes clássicas do Metal.
É comum ouvirmos discos de estreias de bandas brasileiras em que pesa a identidade musical da banda, sempre oriunda de diversos sons diferentes (inclusive de folk brasileiro). Um exemplo notável desta fusão, embora seja no blues, é “Gréia”, do gaitista Jefferson Gonçalves (dedicando-se à carreira solo após sair do Baseado em Blues), o qual mescla o blues com diversos outros estilos musicais, inclusive o baião. Quando o assunto é metal, isto também ocorre, porém em escala limitada.
Ao contrário deste movimento “antropofágico” (de engolir tudo o que é externo, ruminar um pouco e depois vomitar um produto próprio), Shadowside apostou na tendência clássica de algumas vertentes do metal, mesclando-as entre si sem exageros. E acertou na mosca!
É gostoso, por exemplo, ouvir a faixa Highlight e notar a influência de um Judas Priest ou de um Metallica, enfim, de uma banda clássica do estilo. Quando no refrão, por exemplo, este culmina com o título da música em dois gritos, palavra composta com seus elementos destacados: HIGH e LIGHT, no melhor estilo “Master! Master!” do Metallica.
Ainda sobre a mesma faixa, os riffs e a bateria bem marcada também chamam a atenção, mas nada supera o choque que é quando Dani Nolden começa a cantar. Pode parecer puxa-saquismo, mas lembre-se que em diversos casos, quando uma banda possui uma voz feminina, esta acaba caindo pro lírico (muitas vezes em uma tentativa de som gótico contrastando com o vocal gutural de algum dos homens da banda). Dani por outro lado apostou naquilo que gostava de ouvir, como disse nesta entrevista ao MetalClube, e acabou criando um estilo próprio de cantar, fazendo sucesso a ponto de ser chamada para participar em apresentações com diversos músicos da cena metal brasileira.
Outro exemplo, no disco, com raízes 100% tradicionais é a segunda faixa, Vampire Hunter. Aqui, o ritmo alucinado, o vocal nervoso (beirando o ininteligível) e a cozinha a todo vapor demonstram toda a força do Power/Speedy Metal, estilo do qual não sou grande fã, mas que tem o seu valor quando usado com parcimônia. É interessante notar que, enquanto uma faixa do disco tende mais para o Heavy, outra tende mais para o Power. Desta forma, a banda oscila entre aquilo que os influenciou a fazer música e demonstra sua “fluência” nos mesmos.
Tal “fluência” não é ocasional nem perfeita. E acredito que seja de propósito. Shadowside não é uma “sombra” ou marionete de estilos anteriores à sua formação. A banda “fala” a língua desses estilos, mas em seu próprio dialeto. É ótimo não entender todo o inglês cantado na supracitada Vampire Hunter ou ver um ou outro “brasileirismo” nas letras das músicas, como em Queen of the Sky, em que lê-se “I fall but I know I can make”. “Make” what? Talvez devesse haver um complemento para este verbo, porém um brasileiro entende a estrutura criada por ser falante de português. Isso é uma forma de apropriação muito mais forte e importante do que simplesmente colocar berimbau em uma música.
Ademais, as letras são outro ponto forte da banda: frases simples, normalmente curtas, como os melhores exemplos dentro dos gêneros musicais trabalhados. E os temas, igualmente interessantes. Na suíte-título, por exemplo, que é separada em dois atos, a banda se posiciona dentro do universo metal e diz que veio pra ficar:
“Hey! Shadow won't fade
We're here to dominate, there's no light without a shade
Hey! Shadow won't fade
We've come in your way to represent a brand new reign”
Como que explicitando a fusão entre estilos diferentes de metal, muitas letras falam sobre o encontro entre imagens ou conceitos antagônicos. Na faixa 5, Illusions, uma mais pesadas, lembrando um pouco o thrash metal, o eu lírico clama que
“You're in the place where
The day and the night
Meet each other
Starting a fight
The love and hate
Are walking together”
Ou a supracitada Highligt, em que um homem, assolado pela dúvida sobre o que fazer, sobre “what is right or wrong”, percebe que “Cruel times shattered dreams/fire on water, death on life”. Novamente o contraste pode ser percebido, criando um imaginário poético forte na mente do ouvinte.
Além de tudo o que já foi dito, ainda temos alguns detalhes importantes, como a instrumental Enter the Shadowside, primeira faixa e convite irrecusável a continuar ouvindo o disco. Essa música apela para uma ambientização através de teclados e os outros instrumentos, cumprindo seu papel com gosto. Outro detalhe que chama a atenção é o teclado, presente em momentos cruciais ao longo do disco: seja começando uma música (Vampire Hunter), adicionando variação temática ao refrão de outra (We Want a Miracle) ou marcando um riff (Here to Stay). Por fim, as notas de piano maravilhosas em Queen of the Sky, música cuja introdução merece algumas palavras. Inicialmente ouve-se teclado com efeito de sintetizador, depois o som passa para o piano, que marca o riff-tema da música (depois substituído pelas guitarras). Ao aproximar-se do fim, o teclado retorna, seguido pelo piano. Porém, ao contrário de baladas do Hammerfall ou do Nightwish, nesta o piano não vem para consolidar o tema e, sim, para desconstruí-lo. Como o tema lírico é a possibilidade de voar (e fugir da realidade através desta alienação), o piano fornece o elemento musical que confirma o caráter ilusório desta fuga e abre espaço para a música seguinte, Believe in Yourself.
Nota: 4 / 5
Tracklist:
- Enter the Shadowside
- Vampire Hunter
- Highlight
- We Want A Miracle
- Illusions
- Queen Of The Sky
- Believe In Yourself
- Tonight
- Kingdom Of Life
- Red Storm
- Act 1 - Shadow Dance
- Act 2 - Here to Stay
Outras resenhas/críticas aqui: Rock On Stage e MetalZone.