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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Crítica: Sucker Punch Soundtrack (2011)

 

Sucker-Punch-SoundtrackSucker Punch é um filme memorável. Muitos dirão que é pela sua ruindade. Entendo o argumento deles: cortes rápidos e ríspidos, cenas de ação com fundo musical forte pendendo para clipes não-oficiais, músicas em novas versões (com ou sem remake) e final didático. Porém, quem vê o filme por este ângulo acaba por perder um dos melhores filmes do ano e, sem dúvidas, o filme mais autoral (por razões até mesmo óbvias) do Zack Snyder.

Para quem acompanha o diretor de perto, já era de se esperar o que passaria na telona. A sua linguagem estética salta aos olhos – literalmente. Ele não precisa de tecnologia 3D para fazer o que muito filme com esta tecnologia não consegue: empolgar o espectador e brincar com os objetos flutuantes. Quando vi o trailer de Alice, do Tim Burton, eu me diverti mais com a tecnologia citada do que em todo o filme Avatar – não que ele seja ruim, apenas porque não faz uso inteligente do recurso que tem nas mãos.

O que quero dizer é que agora, com os óculos, o público está dentro do filme: a sensação de ver algo em 3D é que tudo parece estar acontecendo a centímetros de distância, logo os diretores precisam levar a plateia em consideração ao produzir seus longas. Sucker Punch ou melhor, Zack Snyder leva você a sério: os temas que os nerds gostam, um enredo bom mas com diálogos ruins (um tanto quanto esperável, até), meninas com pouca roupa e um visual arrebatador… tudo isso aliado a um personagem que é tão presente no filme que parece possuir um corpo: a trilha sonora.

Ela não é tão frágil quanto parece!Acredito que há filmes sem enredo (a nouvelle vague provou isso), há filmes sem música (Haneke provou isso), há filmes sem cor (dã!), talvez haja filmes sem personagens, porém não existe filme sem imagem. Mesmo um filme (quase) sem luz como Enterrado Vivo (2010) possui imagem – mesmo embora ela falte em determinados momentos. Portanto, se a imagem é o elemento primordial do cinema, mexer com ela ou com os padrões dela é o que acaba tornando diretores em lendas: Hitchcock, Fritz Lang, Bergman, Kurosawa, Polanski e tantos outros que se empenharam em contar uma história, sim, mas sob outros focos, ângulos, quebrando espectativas do público mediano, o qual está acostumado apenas com narrativas.

Zack Snyder também tem seu lado autoral: sua imagem escapa do real. Ao assistir 300, percebe-se na dança das lutas que elas não pretendem em momento algum parecerem reais. Ao contrário: pretende-se atingir o belo estético criando uma imagem nova, livre do invólucro chamado representação da natureza. Sucker Punch é isso: um mundo surreal, de fato, com suas três camadas narrativas, em que a alternância entre as mesmas ocorre como que num piscar de olhos, os mesmos que se sentem estranhos, distantes, perante a falsidade das ações, das cores, da textura presente na tela. O filme te engana imageticamente: te ilude.

E a trilha sonora, idem.

Logo no início do filme, uma sequência muda, inteira rodada em preto-e-branco (ou tons de cinza, melhor dizendo) possui como grande atrativo – à parte do visual, é claro – o tom musical. Sim, o tom. A música funciona como tom: ela colore a imagem, ela dita o teor daquele flashback, o nível de profundidade da personagem e da angústia dela:

Todo mundo está procurando alguma coisa...

Alguns deles querem te usar,

Alguns deles querem ser usados por você.

Alguns deles querem abusar de você,

Alguns deles querem ser abusados...

A música é facilmente reconhecível: uma nova batida, que causa a melancolia retratada na letra (ao invés do ritmo dançante da versão original); no entanto, é outra voz. Mais aveludada, talvez? Mais… menina: leve, suave, mas com emoção. A própria atriz, Emily Browning, assina como intérprete.

Essa é a ilusão a que me referia anteriormente: você já conhece a música, apenas não está preparado para a nova roupagem que lhe foi dada. Você não espera, mas reconhece. Você não imaginava, mas sente. E essa não é a única (boa) surpresa que o Zack te preparou: como o filme inteiro é ambíguo (afinal, é o sonho de quem que está sendo vivido? de quem é a liberdade tão almejada?), o verso “Eu quero usar você e abusar de você” deixa claro, através do dêitico “Eu”, que a própria personagem principal pode não ser tão frágil e/ou inocente quanto a princípio.

O entrelaçamento música e filme continua forte logo na primeira cena de ação: em seu primeiro contato com o tal mundo surreal, Babie Doll encontra um personagem tipo característico de obras de artes samurais: o mestre samurai mesclado com guru espiritual. Mais clichê, impossível. E quem se importa? Fundida à paisagem, a voz penetrante de Björk te incita à ativa, antes que te destruam:

Levante-se

Você tem que lidar com isso

Eu não serei compreensivo

Mais

Esse encorajamento, por assim dizer, é típico desses filmes, pois toda a filosofia aliada às artes marciais preza que qualquer um pode fazer isso. Na verdade, algumas religiões orientais, como o Taoísmo e o Budismo, pregam que o ser humano tem esse poder de conseguir as coisas que quer, sem intervenções do divino. E esta noção foi explicitada neste filme através da cultura que nos chegou: tanto nos filmes de luta orientais quanto nos animes, é comum que os personagens principais, ao contrário do estereótipo ocidental, sejam franzinos e, até mesmo, com a cara mais frágil do mundo. Mais ou menos, é como em Senhor dos Anéis: o hobbit é o ser mais longe do ideal de força e, mesmo assim, é o que possui o destino de todas as outras raças. Ao assistir a X, Cavaleiros do Zodíaco etc, percebe-se essa estética do fragilizado, do aparentemente fraco. É uma ilusão corriqueira do artificialismo físico: negar a lei física que rege a massa corporal enquanto força física.

(É claro que há personagens fortes nos animes, mas geralmente eles são secundários ou vilões qu antagonizam diretamente com o protagonista: por exemplo, o Toguro em Yu Yu Hakusho ou os aliens de Evangelion ou mesmo Sanozuke, em Rurouni Kenshin.)

Além da força física, o estado de saúde mental das cinco protagonistas é constantemente posto à prova: primeiro porque na camada da realidade não se tem contato com elas, segundo porque no cabaré, todas precisam usar o corpo para sobreviver e, terceiro, porque elas querem sair dali com vida, mas… se você estiver louco, como saber exatamente onde você está ou por que sair? Alegre

Quando lógica e proporção

Tiverem caído por terra

E o Cavaleiro Branco estiver falando ao contrário

É neste momento que as coisas começam a desmoronar – ou pelo menos, os indícios de que isso ocorrerá chegam. Na verdade, há uma ilusão aqui: na visão trágica de mundo, é um fato bastante óbvio de que no fim só há a destruição; não se tem como escapar ou fugir à morte: o destino está na sua cola. Porém, o que separa o herói do mundano nesta visão é a sua atitude perante a iminência do fim. Você sabe que as coisas vão acabar mal no filme, você sabe que a Babie Doll vai se ferrar, mas o que você não sabe – e ela também não – é por que ela está fazendo tudo o que faz. E ela não reflete sobre isso: ela deseja sair dali, mesmo sabendo que todas as chances são contra ela, e convence (ou usa) as outras a irem com ela (não sabemos como ela as convence, lembre-se: já é a camada do cabaré, ou seja, representação do surrealismo da mente dela).

Amigo, você é um garoto que faz um barulhão(…)

Eu quero tudo

E quero agora

O problema não é o desejo: todo personagem deseja algo. Édipo desejava, Hamlet também e mesmo assim, no fim, não sobrou muito deles para contar história. O problema é: quando se deseja demais, o preço que se paga é maior. No caso da trilha sonora, isso é evidenciado pelo mash-up: o artificial da imagem mescla-se com o artifício sonoro; uma junção de voz morta com voz viva – ou melhor, duas vozes vivas, pois na arte o homem atinge a vida eterna. O improviso do rapper em cima de duas melodias bastante populares é o efeito de desespero ecoado das meninas do filme (ou de uma só, a Babie Doll, usando as outras em seu proveito): os versos são reflexos delas, de seus pensamentos e de suas atitudes. Impossível dissociar a trilha do que se vê na tela.

Vê-se a trilha e ouve-se o filme.

Por fim, após o momento “Cai o Pano”, o único do filme que possui resquícios de tradicionalismo, ficamos sabendo quem está sonhando quem. E nesse jardim onírico, cheio de veredas e bifurcações, pois qualquer um pode ser qualquer um quando se está em processo de criação sem regras sociais ou morais ou psicológicas te limitando, todo o elenco se reúne em mais uma camada de realidade (?): uma que esquece as barreiras dos próprios personagens – eles não se antagonizam mais, assim como sequer mantém seus papéis de trabalho nem suas vestimentas usuais – ou melhor, uma camada que corrobora e justifica o nome do filme em português: um mundo surreal pois o surrealismo nada mais é do que elementos juntos em lugares a que não pertencem.

Nada no filme pertence aonde foi colocado: as vozes foram trocadas ou remixadas ou postas em diálogos impensados anteriormente; a imagem foi estilizada ao ponto de beirar o impossível; os clichês foram juntados e repaginados; o tempo do filme foi alongado (pois o tempo mental é diferente do que rege nossos corpos); as batidas das músicas foram mexidas; os contextos foram substituídos: houve, portanto, melhor do que qualquer outro exemplo que se pudesse pensar, uma real criação.

Tracklist

1. “Sweet Dreams (Are Made of This)” [Eurythmics] - Emily Browningaprovado
2. “Army of Me (Sucker Punch Remix)” [Björk]- Björk featuring Skunk Anansie aprovado
3. “White Rabbit” [Jefferson Airplane]- Emiliana Torrini aprovado
4. “I Want It All”/“We Will Rock You” Mash-Up - Queen w/ Armageddon a.k.a Geddy aprovado
5. “Search and Destroy” [Iggy Pop]- Skunk Anansie
6. “Tomorrow Never Knows” [Beatles]- Alison Mosshart and Carla Azar
7. “Where is My Mind?” - Yoav featuring Emily Browning
8. “Asleep” [Morrissey]- Emily Browning
9. “Love is the Drug” - Carla Gugino and Oscar Isaac

Obs.: Entre colchetes [], o nome de quem compôs as versões originais.

 

Gostou? Checa, também, a crítica à soundtrack de outro sucesso do cinema: Kick Ass!

Comentários
3 Comentários

3 ouvidas:

Pedro disse...

Parabéns, Rafa! Essa é a verdadeira função da atividade crítica: enxergar para além das aparências que a imagem nos apresenta e criar possíveis hipóteses. Aliás, as suas análises sobre esse filme dialogam tanto com a linguagem e a estética surrealista, que me espanta o fato de você não "saber se gostou ou não" de outro filme, que ao meu ver, apresenta uma narrativa radicalmente anti realista, naturalista, figurativa e musical quanto "O Sabor da Melancia"

= )

Rafael disse...

Caríssimo Pedro, o fato de eu gostar ou não de um filme não m impede de tentar ver suas características principais: por isso eu defendo O Sabor da Melancia... tudo o que vc disse é verdade. :)
Mas não é o meu tipo de filme (e não pelo caráter sexual, diga-se!)... hehehehehehe :)
Falando em anti realista etc, você LEU O PANAMÉRICA?!?!?!?! :)

Abraços e obrigado!

Daniel J. M. Mello disse...

Muito interessante! Embora eu não tenha vontade de assistir o filme, gostei da trilha sonora. Parabéns pelo texto, você é ótimo nisso.
Um abraço, e até a próxima sessão de cinema rsrs!!!

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