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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Crítica: Kick-Ass Sundtrack (2010)

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Era um dos filmes mais aguardados de 2010, para mim, desde que soube de sua existência, em Janeiro deste ano. Ao assisti-lo, além de fruir da sua beleza estética, empolguei-me com uma de suas características mais marcantes: a trilha sonora. Que fique claro desde agora: existem filmes em que a história e os diálogos são narrados através de músicas (ou seja, pertencem ao gênero “musical”), existem filmes em que a música não existe ou não é o foco principal e existem filmes em que a história é pontuada por músicas muito bem selecionadas. Kick-Ass cai neste último grupo.

Para mim, a música funciona como catalisador: seja pela melodia, pela linha de voz, pela letra, de alguma forma, a música se conecta com o espectador, criando um elo de forma tal que simplesmente ouvi-la é suficiente para que a pessoa relembre da cena em que tocou. Um grande ícone neste quesito é Quentim Tarantino: eu consigo lembrar de Kill Bill Vol. 1 apenas pela trilha sonora. Outro mestre no uso da música para ambientalizar e pontuar a história é Martin Scorcese.

Kick-Ass refaz os passos dos dois cineastas citados. E com genialidade. Buscando artistas do psicolédico, da eletrônica, do instrumental, do hip hop, do rock, alguns  desconhecidos ou esquecidos, o filme ganhou uma aura empolgante e uma carga dramática únicas. Por exemplo, um dos compositores lembrados pelos produtores do filme é ninguém mais, ninguém menos do que Ennio Morricone. Um dos seus temas western, com direito a assobio e tudo, funciona como co-adjuvante em um dos melhores trechos do filme. Clique aqui e veja a seqüência com o tema ao fundo.

Ennio Morriconi - Kick-Ass ST

Aliás, se reparar bem, a faixa inicia com um diálogo extraído do filme. Recurso não muito popular hoje em dia (cito, novamente, Kill Bill), reforça o vínculo entre a película e o som. Além do quê, embora não sejam da mesma cena, as frases têm claramente a ver com a música e (especialmente) com o trecho do filme em que a música de Ennio toca.

Ademais, toda a trilha sonora possui relação com o filme. Como disse anteriormente, os produtores tiveram um trabalho duro para selecionar estas faixas, mas fizeram-no tão bem que todas possuem ligação temática com a película. Por exemplo, esta citação: “This town ain't big enough for the both of us / And it ain't me who's gonna leave”. Uma primeira leitura denota uma situação de conflito entre duas pessoas, tema tratado ad eternum pelo cinema faroeste: aquele momento em que um bad-ass olha para o outro e diz “Escolha as armas”. No caso, clique aqui e veja que não é muito diferente do que ocorre no filme. Claro que existe uma… digamos… “repaginada” na forma como o filme trata o tema, mas continua sendo uma situação de conflito.

Sparks - Kick-Ass ST

A música, cujo título é This Town Ain’t Big Enough For Both of Us, foi um single de estrondoso sucesso da banda americana Sparks, lançado em 1974. O som psicodélico da mesma atenua um pouco da tensão descrita pelo eu lírico, mesmo embora, na verdade, a letra é tão bem escrita que ela confunde, entre sarcamos e ironias, sobre quem, afinal, está para se degladiar. Alusões a animais mamíferos e um pronome feminino podem mostrar que ela gira em torno de atração sexual, mas, vindo de uma banda psicodélica, será isso mesmo? :)

Outro exemplo desse diálogo entre filme e trilha sonora, sem querer falar demais (porém já falando!), é a faixa 10 (ou faixas 14 e 15, se considerar os trechos extraídos do filme como faixas à parte): We’re All In Love, de The New York Dolls. O final da segunda estrofe, conectado com o refrão, explicita esta relação: “When love is strong, life intensifies because/We're all in love!”, a qual dialoga intimamente com a própria relação apaixonada entre os dois adolescentes. Este diálogo entre ambas as mídias confere algumas características à personagem principal. Primeiro, um aumento na sua auto-estima, a qual tanto a música como a cena de sexo-na-rua deixam claro (no refrão, em que lê-se “We’re all in love / We don’t care / (…) What could they do to us?”). É digno de nota que esta auto-estima é deveras necessária quando se possui como emprego (ou hobby) o combate ao crime. Segundo, esta paixão possui, como sempre, uma característica inconsciente: tomamos coragem para fazer coisas que não fazemos normalmente (e muitas vezes depois, ao lembrarmos delas, julgamo-as ridículas). Terceiro, como já seria óbvio, o relacionamento dos dois é o gancho da catarse que o público vive na cena em que Kick-Ass é torturado na frente da menina.

Por fim, não poderia deixar de mencionar a música que, na minha opinião, é a principal do disco. Lembro que, ao assistir ao filme no cinema com um grupo de amigos, um deles, que se apaixonou pela película a ponto de vê-la mais de uma vez, não me deixou sair nos créditos sem ouvi-la.

I could change the world
I could make it better
Kick it up and down
Take a chance on me

- Mika vs. RedOne, “Kick-Ass”

Compor a música-tema de um filme é um tour de force. Não apenas captar toda a atmosfera de um filme, seja ela qual for, mas juntar isso a uma letra que precisa fazer sentido dentro de toda esta salada. E Mika surpreende com um dos melhores hits que ouvi recentemente.

Lutar contra o crime é um fato heróico, certo? E apenas o trágico, dizem os filósofos desde Aristóteles, conseguem dar conta de demonstrar toda a força de personagens fadados a um destino que toda a plateia já sabe ser difícil e intransferível. Provo isso quando tanto o Super-homem morreu quanto o Batman teve sua espinha quebrada (e a DC Comics teve um trabalho igualmente hercúleo de tentar criar personagens à altura e falhou miseravelmente). No caso, Batman é citado no filme e não existe como pensar em um heroi sem poderes sem pensar no Morcegão. Acontece que Kick-Ass não é bilionário, e sequer passou anos treinando artes marciais.

Mika vs. RedOne - Kick-Ass ST

Kick-Ass é um personagem comum. Como ele mesmo diz, “no powers bring no responsibility". E ele comprova a mentira disso: todos os nossos atos, por mais ou menos heroicos que sejam, causam consequências, imprevisíveis e inevitáveis. Isso me encanta no filme: ele não é apenas um pastiche de tudo quanto é filme de super-herói no mercado. Ele é uma metáfora da vida comum. Embora o protagonista resolva tomar uma atitude em prol da humanidade, ela nada se distancia das nossas decisões cotidianas. A diferença é que ele, assim como sua comparsa Hit-Girl, possui força de espírito, apesar da sua idade, para se reerguer: “We are young / We are strong”.

Fica a dica para nós: como dizia o filósofo brasileiro Luiz Pondé, a nossa vida é repleta de decisões trágicas. O que importa não é o que invariavelmente vai acontecer no final, mas como que você decide enfrentar isso.

Nota: 5 / 5

"Kick-Ass" Soundtrack Tracklisting
1. "I'm Kick-Ass"
2. Stand Up - The Prodigy aprovado
3. Kick Ass - Mika Vs Redone aprovado
4. "I Never Said Batman"
5. Can't Go Back - Primal Scream
6. There's A Pot Brewin' - The Little Ones
7. "Bring It On!"
8. Omen - The Prodigy
9. "Butterfly Knife"
10. Make Me Wanna Die - The Pretty Reckless
11. "Mayor's Office"
12. Banana Splits - The Dickies
13. Starry Eyed - Ellie Goulding
14. This Town Ain't Big Enough For Both Of Us – Sparks aprovado
15. "Who Would Win In A Fight...?"
16. We're All In Love - New York Dolls aprovado
17. Bongo Song - Zongamin
18. "I Never Play"
19. Per Qualche Dollaro In Piu (For A Few Dollars More) - Ennio Morricone aprovado
20. "No Power, No Responsibility"
21. Bad Reputation - The Hit Girls
22. An American Trilogy - Elvis Presleyaprovado
23. "Show's Over..."

P.S.: Clique aqui e vá a um post no forum Taringa!, em que um usuário disponibilizou uma versão extendida da trilha sonora deste filme, contando com *todas* as músicas que tocam ao longo do filme!

Comentários
2 Comentários

2 ouvidas:

Ivo Venerotti disse...

(Escrevo ao som do espetacular Ennio) Como pode um post deste não ter nenhum comentário! Eu não gosto de falar do filme, pois eu fico muito emocionado (aliás, já estou chorando lembrando as cenas do filme pela trilha sonora). Para mim o melhor filme do ano até o momento é Kick Ass. Um dos melhores do ano passado foi (500) Dias com Ela. E sabe o que é mais interessante? São algumas das melhores trilhas sonoras de filmes nos últimos anos! Quanto ao Kick Ass propriamente dito, eu conheço mais as músicas do original score, instrumentais, compostas diretamente para o filme. Você me trouxe o score das canções do filme, embora uma, pelo menos, tenha sido composta exclusivamente para a película.

E o diretor, sim, se inspira em Tarantino (qual dos diretores da nova geração não o faz?). Há uma declaração dele, sobre o fato do filme ser contado através da trilha sonora.

Já que você fez do Sound Track Album, poderia fazer do Original Score, igualmente espetacular. Confira Sleepover, espetacular: http://www.youtube.com/watch?v=73OgS0qzlUk&feature=related
Big Daddy Kills:http://www.youtube.com/watch?v=LpZcbgyFbv0
NigthVision: http://www.youtube.com/watch?v=5qeT2pTbZrs (cena antológica).
Big Daddy Dies: http://www.youtube.com/watch?v=f49jvIjIgSA

Isso é só uma palinha.
Pois bem, fico feliz com a homenagem. Parabéns pelo post espetacular!

(Termino sem chorar e ouvindo Sleepover)

Rafael disse...

@Ivão,
Vamos lá, por partes. Sobre os filmes do ano, eu infelizmente não posso comentar pois um dos meus hobbies favoritos, que é ir ao cinema, foi relegado em prol de outras atividades / prioridades. ;) Mas tudo bem, sobrevive-se.
Acho Kick-Ass espetacular, muito melhor do que o esperado, por uma dezena de motivos, mas principalmente por tratar do tema "adolescente-em-situação-de-tomar-decisões-difíceis" de forma tão forte, porém não tão exagerada. Não chega ao piegas nem à violência extrema, embora a morte de Big Daddy seja absurdamente forte. E bem pontuada musicalmente: repare como ela é suave, como uma ode, pelos primeiros 70seg e termina com um tom gótico, característico do Homem-Morcego que inspirou a personagem adulta.
Cara, Tarantino revolucionou o cinema. Pelo pastiche descarado (que alguns infelizmente acham que é plágio), pelo tom mítico que dá aos objetos cult que venera (e cita nos filmes), pela comédia de teor absurdo etc. E acredito que o uso que faz da música é crucial para as histórias que conta, vide Kill Bill ou Bastardos.
Por fim,não vou prometer uma crítica do score de Kick-Ass, o qual é mesmo maravilhoso, pois tenho algumas pendências pra resolver aqui no blog primeiro. hehehehehe Mas fica anotada a dica.
Que bom que gostou da homenagem, não tinha como não te citar no post. :)
Abração!

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