O que acontece quando artistas consagrados resolvem fazer um disco tocando apenas instrumentos musicais em miniatura e brinquedos para crianças? Além disso, e se as músicas tocadas fossem não infantis, mas músicas “normais” filtradas pela sonoridade dos instrumentos infantis? Bom, o Pato Fu apostou nessa ideia louca e recém-lançou o disco, chamado espertamente de Música de Brinquedo. E que fique escrito aqui logo de início, o resultado é simplesmente genial!
São 12 faixas ao total, entre músicas nacionais e internacionais, todas sucessos consagrados tanto aqui quanto lá fora: Love me Tender, Primavera, Live and Let Die, My Girl, Sonífera Ilha, enfim, tem pra todos os gostos. E tudo regado a muito instrumental infantil.
Diferente do que se pode esperar, há um estranhamento causado por determinadas notas, agudas demais, quase desafinadas. Natural, se levarmos em consideração os instrumentos que as fazem. Mesmo assim, esse som dissonante não é exagerado nem compromete a audição do álbum.
Por outro lado, apesar de em algumas faixas, como a cover de Paul & Linda McCartney, os músicos se soltarem um pouco mais, senti falta de maior tentativa de virtuosismo. Por mais difícil que seja tocar em instrumentos fabricados para crianças, músicos experientes como eles deveriam tentar mais momentos instrumentais – para extrapolar mesmo as limitações impostas pelos objetos que estão tocando. Esse, digamos, experimentalismo, a meu ver, seria benéfico ao produto final.
Da mesma forma, a própria vocalista mostra-se comedida, como que sem autonomia suficiente para puxar a música para si e torná-la própria, coisa que eu já disse diversas vezes por aqui (como na crítica à Cyndi Lauper ou a Jorn). Na verdade, sempre que ouviPato Fu, assim como Kid Abelha ou Maria Rita ou Belle & Sebastian e diversas outras bandas por aí, incomoda-me esse vocal travado, sem coragem, quase isento de variação de notas. A voz é um instrumento, assim como qualquer outro, portanto precisa ser usado em toda a sua escala possível.
Entendo que tocar músicas de que se gosta utilizando para isso instrumentos desenvolvidos para crianças possa dar medo – mas preste atenção no baterista que é notório que esse medo deve ser usado em prol da música, ao invés de atuar como ação castradora. Aliás, a música acima é, de longe, a melhor do disco: músicos mais soltos, mais comprometidos com a diversão de tocar aquilo a que se propuseram e, inclusive, participação especialíssima das crianças da família nos backing vocals – fato este recorrente ao longo do álbum.
Falando-se das músicas escolhidas, o disco abre com Primavera, uma das minhas favoritas. É engraçado ver as crianças ocuparem o lugar do coro já gravado na memória. Mesmo assim, a música flui e cativa. Sonífera Ilha e Rock and Roll Lullaby passam com igual diversão, mas Frevo Mulher é o primeiro momento de real exploração musical – experimentalismo que atiçou a curiosado para se ouvir o disco.
Sabe-se o quão difícil é tocar certos ritmos brasileiros – fato este comprovado pelo exacerbado elogio dos músicos de jazz à nossa Bossa Nova, por exemplo. Outros ritmos, mais tradicionais, são ainda mais difíceis de serem tocados por não-brasileiros, como o baião ou o forró. Interessantíssimo ver a batida ao fundo sendo maravilhosamente incorporada pela sonoridade infantil dos instrumentos usados. Vale muito a pena!
O disco continua, após esta pérola, com outra boa pedida: Ovelha Negra. Assim como na faixa anterior, aqui a voz de Fernanda Takai mescla-se à música através de seu timbre perfeito para a canção. A próxima pérola, já citada lá em cima, encontra-se na faixa 07, Live and Let Die.
Além dessas, o álbum ainda possui a ótima cover de My Girl e outra das minhas favoritas do disco, Ska. Agora, existe outra faceta nesta história: a banda começou, na Caixa Cultural, a turnê do disco. Embora os vídeos postados explicitem os elementos musicais que compóem o CD, os instrumentos, os brinquedos, as palmas etc, a turnê traz mais músicas ao acervo já bem selecionado, como por exemplo, Bohemian Rhapsody, do Queen!Ademais, tem um show de fantoches ao fundo! Aperitivo abaixo. :)
Por fim, o disco encantou-me mais pela musicalidade, pela maravilha sonora que os integrantes da banda conseguiram. Digamos que houve uma sinergia harmoniosa que, mesmo com as citadas limitações, percorreu a obra e deixou-a não apenas apetecível, mas, principalmente, divertida.
Nota: 4 / 5
Tracklist
01. Primavera (Vai Chuva) – Cassiano / Sílvio Rochael
02. Sonífera Ilha – Branco Mello / Marcelo Fromer / Toni Bellotto / Ciro Pessoa / Carlos Barmak
03. Rock And Roll Lullaby – Cynthia Weil / Barry Mann
04. Frevo Mulher – Zé Ramalho
05. Ovelha Negra – Rita Lee
06. Todos Estão Surdos – Roberto Carlos / Erasmo Carlos
07. Live And Let Die – Paul McCartney / Linda McCartney
08. Pelo Interfone – Ritchie / Bernardo Vilhena
09. Twiggy Twiggy – Lalo Schifrin / Hal David / Burt Bacharach / Morton Stevens / Nanako Sato
10. My Girl – Smokey Robinson / Ronald White
11. Ska – Herbert Vianna
12. Love Me Tender – Elvis Presley / Vera Matson