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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Crítica: Buddy Guy: uma “Prova Viva” de que só envelhece quem quer

buddy_guy_living_proof_2011_oucaisto.blogspot.comBuddy Guy lançou, ano passado, aquele que foi considerado o melhor disco de blues do ano. Além disso, o disco foi sua melhor posição na Billboard: 46o. lugar. Não obstante, ganhou o Grammy de melhor disco de blues contemporâneo. Quando nos acostumamos a ver apenas jovens arrecadando prêmios e depois sumindo, passamos a acreditar que a fama é, de fato, efêmera, que acompanha a loucura de troca frenética das prateleiras pós-modernas, que o sucesso não pode acompanhar um músico.

Impressiona, portanto, que Buddy Guy tenha conseguido tamanho sucesso – embora seja, já, um ícone dentro do gênero há algumas décadas – no ano em que completou 74 anos. Aliás, o título do disco é uma comprovação em si: “Living Proof”, ou seja, uma “prova viva”. Prova viva de que o sucesso não conhece idade e, mais do que isso, que estereótipos servem para ser confrontados. Vamos a eles!

Continue ouvindo ao clicar no link abaixo!

Estereótipos são generalizações, são conceitos, ideias, características atreladas a determinados indivíduos, circunstãncias etc antes de se conhecer a fundo ou simplesmente pela falta de vontade de se conhecer algo a fundo, então coloca-se tudo no mesmo balaio e pronto. Há diversos estereótipos que são quebrados por Buddy Guy e alguns tradicionalismos que são mantidos pelo músico no disco analisado.

Primeiro, a ideia ligada a gente velha e instrumentos. “Ah, o Roger Water nem consegue mais segurar um baixo direito”, “Ah, os Rolling Stones não sabem mais fazer música e vivem dos clássicos”, “O Ozzy mal abre a boca no palco, mal se mexe”, entre outros. Todo mundo já ouviu ou disse algo assim. Pois bem, faça um favor a si mesmo: clique no botão play acima e ouça a guitarra dese senhor de quem vos falo. Smiley piscando

Buddy Guy toca neste disco como um adolescente em seu melhor estado físico. O vigor teen ultrapassa em muito todo e qualquer esboço de energia mostrdo por qualquer ídolo da música pop atual. Consegue argumentar contra?

Segundo, a ideia ligada aos temas de gente velha. “Gente velha só sabe reclamar da vida”, “Gente velha só sabe falar de saudosismos”, “Gente velha é depressiva”, entre outros. “No use crying, don’t you understand? / You’re all false, baby, you lost a damn good man” são os dois primeiros versos da música acima. Muito além de qualquer tipo de saudosismo, o que se encontra é virilidade e auto-estima nas alturas. Confiança ao empunhar a guitarra e ao cantar rouca e fortemente os versos da música. “If you’re the last woman on this earth” ou “If I never see you again”, “it’s much too soon”: há muita vida ainda pela frente. Vida é qualidade, não é quantidade. É gozar o dia como sendo o último e, não, viver na sombra da impotência e do medo de que ele seja de fato o último (que um dia chegará).

Além disso, em outra faixa, Buddy Guy relembra os dias do seu passado. Ao invés de saudosismo, porém, ele atrela o bucolismo inevitável da lembrança à auto-estima de que falei anteriormente:

Down in Louisiana
On a cotton plantation
Little tent room shack
And a third grade education

Two stringed wood guitar
I taught myself how to play, yes, I did
Kept the whole family up all night
And I told them that you'll all thank me one day
Yes, I did

A certeza de que venceria na vida. Talvez o Buddy sequer tenha sentido essa certeza na época, não importa. É a atitude que ele tem hoje ao lembrar desse momento que extrapola os limites líricos da obra: e mais uma vez a guitarra vem cortante, esbravejando como os pais não fizeram então. Foram aquelas duas cordas iniciais que deram o gostinho de quero mais ou é sempre assim? Todo músico conta seu início e em muitos casos nossos ídolos provém de infâncias pobres etc, então, o que os mantêm vivos no desejo de se tornarem músicos?

Talvez a música te chame. Um disco excelente de blues deste ano, do Joe Bonamassa, arranha a difícil questão do “significado do blues”. Buddy Guy também entra neste mérito na música acima: em dueto com o magnífico Carlos Santana (com quem já dividiu o palco algumas vezes), Buddy enumera algumas situações das quais emerge o Blues: com um homem e uma mulher que não se entendem e só se machucam, com um homem que vive na rua e luta para sobreviver, ou seja,

Where the blues begins
Way down on the bottom,
You got the struggle to survive,
Where the blues begins,
Hard luck and trouble,
Takes us totally on the line

Conselhos de um idoso? Bem, esse é o terceiro estereótipo quebrado pelo guitarrista: de que se não é saudosismo, velho só abre a boca para aconselhar. Mentira: é apenas um acreditar. Todos nós falamos daquilo em que acreditamos: seja através de análises críticas ou opiniões sem embasamento factual algum, nós todos acreditamos em coisas e as expomos. Buddy faz o mesmo nesta faixa sensacional: é do fundo que vem o Blues. Porque o Blues, antes de ser melodia, harmonia e ritmo, é um sentimento.

E esse sentimento é, sem dúvida, trágico.

A tragicidade do gênero musical é extra-lírico, quero dizer, está para além dos versos dos artistas. É a certeza de que todos temos um destino inevitável: que um dia, esse dia será o nosso derradeiro. Então, ao invés de se entregar ao fim que vai chegar a qualquer momento, devemos viver a vida da melhor forma possível – mesmo revivendo algumas amargas lembranças, chorando, sofrendo, mas de cabeça sempre em pé.

Sobre aqueles que se foram, por exemplo, para usar um eufemismo de um título de outra faixa (“Everybody’s Got To Go”). Gente velha, dizem, adora lembrar dos que se foram e chorar sua morte. Buddy Guy também aproveita o disco para rememorar sua mãe e seu irmão mortos. Não para relembrá-los tão-somente. Não, muito além:

Momma said son, someday you'll learn this lesson, hard times never last, each day is a blessing, keep your eyes on that kingdom waiting down the road, across that river jordan, everybody's got to

Everybody's got to go home

É a ideia do carpe diem. A tragicidade que nos envolve não pode ser suficiente para nos prostrar. Ao contrário: aqueles que entram em nossas vidas, deixam algo deles conosco ao saírem delas. E esse é o leitmotiv do álbum: tudo um dia acaba, mas não é por isso que vamos nos sentar e lamentar. Há muito a ser vivido. Em inglês, quando se diz a idade de alguém, usa-se a expressão “years old”, de fato evidenciando o quão velha a pessoa está.

Buddy Guy, por outro lado, inicia o disco, abre a discussão que foi muito pouco abordada neste mini-ensaio, com um brado de quem ainda tem muito a viver: ele tem 74 anos de idade, ou seja, "74 years young”. E espero que continue young por muito mais tempo!

Nota: 4,5 / 5,0

Tracklist:

01. 74 Years Young aprovado
02. Thank Me Somedayaprovado
03. On The Road
04. Stay Around A Little Longer (feat. B.B. King)aprovado
05. Key Don't Fitaprovado
06. Living Proof
07. Where The Blues Begins (feat. Carlos Santana)aprovado
08. Too Soonaprovado
09. Every Got To Go
10. Let The Door Knob Hit Ya
11. Guess What
12. Skanky

 

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